Thursday, December 09, 2010

CONFIDÊNCIA




Diz o meu nome
pronuncia-o
como se as sílabas te queimassem os lábios
sopra-o com suavidade
para que o escuro apeteça
para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça



Porque eu cresço para ti
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno



Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci

Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
Porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos



No húmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suavemente
pronunciares o meu nome



*Mia Couto

Sunday, May 02, 2010



Faço-me no sentir e busco sentido a tudo o que não compreendi. Não foi por falta de atenção, talvez um cansaço leve, talvez uma pouca disposição que hoje me cobra.
De pedras e barro construí uma morada que já se fez forte, já se fez fraca, mas resiste - ao tempo e a mim.
Carrego umas lembranças e água para a viagem, que parece longa - assim espero seja,
mas o que levo de mais precioso
são as memórias de uma mão cheia de carinho.


*Daise Ribeiro

Tuesday, April 13, 2010

"Querer sem saber, e ter sem poder, a injunção de um sofrer, que transborda das mãos de quem procura o seu reflexo, na superfície de um qualquer lago, e não se vê, porque se sabe encontrado numa outra alma, onde a ternura perdura pelo infinito da eternidade, e a doçura escorre por entre os dedos. Livre-arbítrio ou imposição de forças que não se vêem, sentem-se, para lá da pele, dos sentidos e das sensações, que a atração sobrenatural não proíbe, magias e feitiços de um mago, alquimista ou feiticeiro, derramados e transformados em doce Amor, e imediatamente em amarga saudade. Antagonismos e venturas de uma vida, perdida na procura de uma felicidade momentânea, um instante, um ensejo errante, uma viagem aos primórdios do tempo, num relâmpago surdo por memórias a apagar, numa futurologia nula, sem pernas para andar, porque desde o início, fez parte do passado."



*Do blog Outra parte de mim

Saturday, April 10, 2010



Vieste como um barco carregado de vento, abrindo
feridas de espuma pelas ondas. Chegaste tão depressa
que nem pude aguardar-te ou prevenir-me; e só ficaste
o tempo de iludires a arquitetura fria do estaleiro

onde hoje me sentei a perguntar como foi que partiste,
se partiste, que dentro de mim se acanham as certezas e
tu vais sempre ardendo, embora como um lume de cera,
lento e brando, que já não derrama calor.

Tenho os olhos azuis de tanto os ter lançado ao mar
o dia inteiro, como os pescadores fazem com as redes;
e não existe no mundo cegueira pior do que a minha:
o frio do horizonte começou ainda agora a oscilar,
exausto de me ver entre as mulheres que se passeiam
no cais como se transportassem no corpo o vaivém
dos barcos.

Dizem-me os seus passos que vale a pena esperar,
porque as ondas acabam sempre por quebrar-se junto das margens.
Mas eu sei que o meu mar está cercado de litorais,
que é tarde para quase tudo.
Por isso, vou para casa e aguardo os sonhos, pontuais como a noite.



*Maria do Rosário Pedreira

Friday, February 19, 2010

 

"Escancarado é o teu sorriso
Que traz um coração ao fundo.

Contagia sonhos e corpos,
Morde lábios, lambe mundos...

Principalmente o meu."
 
*Chris Herrmann

Tuesday, January 05, 2010




Eu não juro nada
por coisa alguma,
pois que todo caminho é incerteza.
A ordem se desarruma,
a história se desajeita,
o arranjo troca de lado e vira a mesa.
Tampouco prometo.
Nesse jogo de regras e tratos,
rolam os dados,
mudam os fatos,
num ciclone célere, inclemente.
Só o que posso é me entregar completamente
a toda causa que me dedicar,
a cada tempo que eu puder viver,
a cada amor que me fizer amar.

*Flora Figueiredo